“Pretendo falar de um novo tipo de cavaleiro, absolutamente desconhecido nas eras precedentes, que, sem poupar energias, trava uma luta num duplo fronte:

uma luta contra a carne e o sangue, mas também contra os espíritos malignos espalhados nos ares.”

(São Bernardo de Claraval. De Laude Novae Militae ad Milites Templi

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Templarismo e Maçonaria

Há intrínsecas relações entre o Templarismo e a Maçonaria.

A começar, tem-se no Rito de York, hoje, a afiliação de uma organização filantrópica internacional que leva o título de “The United Religious, Military and Masonic Orders of the Temple and of St John of Jerusalem, Palestine, Rhodes and Malta” (“As Unidas Ordens Religiosas, Militares e Maçônicas do Templo e de São João de Jerusalém, Palestina, Rodes e Malta”), e que carrega a designação de “Cavaleiros Templários”. Trata-se de “ordens dentro da ordem”, ou seja, é restrita a Maçons já iniciados e que professem a fé cristã, bem como congrega ordens como os Cavaleiros da Cruz Vermelha (do Rito de York e restrita ao organismo norte-americano), os Cavaleiros de Malta, os Cavaleiros de São Paulo e os Cavaleiros do Templo.

Há um grau de Cavaleiro Templário que decorre das Ordens de Cavalaria reunidas nesta organização, com exigências bastante distintas daquelas comuns aos graus maçônicos simbólicos como, por exemplo, a de que o Maçom seja casado para que seja exaltado.

Com isso, hoje, há uma organização nominadamente templária tanto dentro (como aquela que faz parte do Rito de York) quanto fora da Maçonaria. Mas as suas relações com a Maçonaria não são, por isso, harmoniosas. Tanto o Vaticano condena a existência dessa organização, uma vez ligada à estrutura maçônica regular, quanto diversos Corpos Maçônicos acusam-na de tratar-se de uma organização cristã dentro da Maçonaria, esta que deveria zelar, por princípio, pela liberdade religiosa exigindo de seus quadros que acreditem num Princípio Criador-Incriado, o que não corresponde, necessária e exclusivamente, à concepção cristã da Divindade.

No entanto, o que pretendemos perscrutar aqui não é a existência, em termos formais, de uma organização templária atrelada à institucionalidade maçônica; mas da presença do que podemos chamar de templarismo, referindo uma espécie de corpo doutrinário e de natureza filosófica, na Maçonaria.

Não significa corroborar com as narrativas bastante frágeis e já desacreditadas por historiadores de que a Maçonaria teria se originado dos Cavaleiros Templários naquelas realidades onde, no final do século XIV, seus reminiscentes teriam escapado ao morticínio que marcou o fim da Ordem do Templo.

O primeiro registro dessa narrativa a ser propalado entre maçons fez-se em 1737, quando o Cavaleiro Ramsay discursou na Loja de Epernay, na França, defendendo a origem cruzada da Maçonaria. O “discurso de Ramsey” deu origem, por sua vez, a toda uma tradição oitocentista que influenciou diretamente a criação de altos graus, sobretudo na França e na Alemanha, por onde essas narrativas se espraiaram fomentadas por Lojas Escocesas (a dos Antigos), encontrando severa resistência por parte das Lojas Inglesas (a dos Modernos).

Antes disso, em 1714, o duque de Antin afirmou que um grupo de cavaleiros, refugiados na Escócia após a destruição da Ordem do Templo e que teriam auxiliado o Rei Robert Bruce na Batalha de Bennockburn, aos 24 de junho de 1314, além de terem recebido o posto de Cavaleiros da Cruz Rósea, teriam sido feitos maçons em Kilwininning.

Até o momento, no entanto, não se pôde comprovar esses relatos. O que se sabe, contudo, é que há registro do ano de 1638, numa Loja de Perth, na Escócia, onde se lê que, na Ordem Real, já existia o Grau de Cavaleiro Rosa Cruz e que a Maçonaria Especulativa ali também se fazia presente.

E é desde a França e dos ducados e principados germânicos que o Sistema da Estrita Observância Templária é composto ao escocismo e às doutrinas da Ordem Martinista dos “Elus Cohens”, fundada em 1768 por Martinetz de Pasqually. De acordo com a historiografia especializada, Jean-Baptiste de Willermoz, discípulo e continuador da obra de Pasqually, foi quem procedeu a fusão estruturando, em 1756, o Rito Escocês Retificado, consolidado, por sua vez, em 1778 no Convento de Lyon e reafirmado no Convento de Wilhelmsbad, em 1782.

Mas voltemos ao “Discurso de Ramsey” porque da propagação da narrativa de uma origem cruzadística da Maçonaria decorre também a estruturação do próprio escocismo, abrindo-se aí uma bifurcação: uma tradição inglesa e uma escocesa que dividiria a Maçonaria nos anos seguintes.

É dessa linhagem que devemos conceber a criação, em 1743, do Grau Eleitos Menores ou Grau de Kadosh, em 1747 do Grau Primordial Jacobita da Rosa-Cruz e em 1748 do Grau de Escocês Fiel.

 Em 1754, é criada a Ordem Maçônica da “Estrita Observância Templária” que até 1782 disputou o legado dos Cavaleiros Templários na Maçonaria, tendo sido extinta em razão da consolidação do Rito Escocês Retificado que, como vimos, conjugou templarismo, escocismo e martinismo.

Também em 1754, dessa linhagem provém a estruturação do Capítulo de Clermont que conferia os graus de Cavaleiro da Águia, Templário e Sublime Ilustre Cavaleiro, núcleo embrionário do Rito de Perfeição.

Houve enorme resistência das Lojas Inglesas, a dos Modernos, que se opuseram aos graus estruturados a partir dessa narrativa; enquanto as Lojas Escocesas, a dos Antigos, os mantiveram e fomentaram até 1813, quando da criação da Grande Loja Unida da Inglaterra, onde prevaleceu a postura inglesa. Isso explica a profusão do escocismo, carregando consigo o templarismo e parte da tradição martinista, na França e nas regiões germânicas onde acabaram se originando graus também de inspiração templária.

Os Graus Templários vigoraram, grosso modo, de 1799 até 1813, quando a criação da Grande Loja Unida da Inglaterra desencadeou a perseguição e expulsão dos graus maçônicos mais elevados, iniciativa reproduzida pela Grande Loja da Escócia. Com isso, os três graus dos Rituais Templários também tiveram sua existência ameaçada: Noviço, Escudeiro e Cavaleiro.

Não nos esqueçamos que os graus eram vendidos e sua mercancia explorava, no processo de transição entre feudalismo e capitalismo, os anseios das classes burguesas mercantis emergentes, não-nobres, pela ascensão social ao repertório simbólico característico do mundo nobiliárquico, confundindo-se propositadamente títulos de nobreza com altos graus agora disponíveis àqueles em condições econômicas para adquiri-los. Ser cavaleiro e adentrar ao universo onírico da nobreza, ao menos em sua dimensão simbólica, esse era o desejo de muitos daqueles que galgaram esses graus.

Nessa fusão, ingressam firmemente ao repertório simbólico maçônico, repleto de utensílios característicos dos pedreiros-livres e alusivos às anteriores guildas e corporações de ofício dos construtores de alvenaria, itens de cultura religiosa e de ordens de cavalaria, sobretudo a cruz e a espada.

E desde então essas representações jamais desabitaram o universo maçônico. Diversos são os ritos que provêm na Maçonaria, hoje, graus templários, remontando às análogas míticas narrativas.

No caso bastante provável de não haver essa genealogia diretamente estabelecida, a Maçonaria é guardiã de muitos dos saberes “escavados” pelos Cavaleiros Templários que, uma vez trazidos para o universo simbólico e representacional da nossa Ordem, produzem a conexão entre elementos de cristianização de seus conteúdos ao hermetismo.

Há um vasto repertório alegórico e arquertípico que provêm do que podemos já afirmar como “mitologia templária”; e a inexistência de uma proveniência histórica direta com a Ordem do Templo não invalida e nem deslegitima o templarismo que hoje também constitui a cultura maçônica.

Senão, vejamos: a busca pelo Sagrado nos lugares Santos, como metáfora da procura da Pedra Oculta na jornada do Aprendiz, dentro de si, na viagem da qual deverá retornar Mestre. A necessidade de reconstruir o Templo de Salomão, os nove nobres Cavaleiros que o investigam, a terra Santa perdida e a busca por uma Nova Jerusalém, o martírio dos cavaleiros frente à perfídia e a crueldade de tirânicos poderes e a ética maçônica associada ao sacrifício por uma justa e nobre causa não para o engrandecimento pessoal, mas pela promoção de um bem maior, o que se expressa na sentença máxima do templarismo: “Non nobis Domine, non nobis, sed nomini tuo ad gloriam” (Slm. 115:1 - Vulgata Latina, “Não a nós, Senhor, não a nós, mas pela Glória de teu nome”).

 

Isto posto, a fim de melhor compreendermos a reaparição da Ordem do Templo entre colunas maçônicas, é preciso nos enfrentarmos com algumas precisas problemáticas que nos permitirão melhor dimensionar os imperativos que, no tempo e no espaço, a explicam.

Em primeiro lugar, tanto a fundação da primeira autoridade obedencial maçônica, a Grande Loja de Londres e Westminster (não em 1717, mas em 1721, de acordo com pesquisas históricas recentes), quanto a posterior publicação da Constituição de Anderson, em 1723; a nova edição do “Livro das Constituições”, de 1738; o “Ahiman Rezon”, dos Antigo, de 1756; e a “Constituição de Anderson Reformada”, de 1815, franqueiam o acesso à Maçonaria àqueles crentes em Deus, independentemente de sua fé religiosa, apesar de a religião cristã ser compartilhada pela quase totalidade dos maçons dos séculos XVIII e XIX.

A este respeito, devemos considerar dois aspectos fundantes da sociedade inglesa daquele tempo: 1) o impacto que teve ali a Reforma Protestante, sobretudo com a criação da Igreja nacional e sua ruptura com a Santa Sé, oscilando entre preponderâncias de vertentes católicas do anglicanismo e sua expressão mais calvinista, bem como o seu enfrentamento com segmentos puritanos, no decurso de uma longa Revolução Inglesa que atravessou o século XVII ( a de 1640 e a de 1688); 2) o conteúdo laicizante das ideias liberais que varreram o espectro europeu no século XVIII, sobretudo desde a França, e que encontrou aderência no pensamento político inglês já convulsionado pela realização, um século e meio antes, de uma revolução liberal.

Consideremos ainda o impacto havido com a promulgação da Bula “In Eminenti Apostolatus Specula”, encíclica antimaçônica apresentada pelo Papa Clemente XII aos 28 de abril de 1738, determinando a excomunhão de todos os maçons bem como de seus apoiadores. A sistematização de graus contendo conteúdos notadamente cristãos, logo a partir de 1740, desde a França, pode ser entendida, nesse contexto, como uma reação a esses e outros constrangimentos.

É assim que podemos localizar historicamente o Rito dos Templários, ainda que não tivesse nenhum elo histórico ou forma ritualística com práticas propriamente templárias.

Tanto o Rito Templário quanto o de Malta (este, por sua vez, alusivo à Ordem dos Hospitalários) enquadram-se nessa lógica, apesar de ser ainda incerta a sua procedência no ambiente inglês. Mas a diversidade de formas rituais encontrada em documentos posteriores ao marco de 1760 informa não apenas a possibilidade de distintas proveniências, mas a sua notável popularidade em círculos maçônicos onde referências templárias atraíam cada vez mais interessados.

Sua primeira guarida conhecida foi o Arco Real. Foram seus Capítulos que, primeiramente, emitiram Cartas Constitutivas para que Acampamentos Templários pudessem operar, na Maçonaria, baixo uma primeira forma institucionalizada.

Com o escopo de organizar uma mesma autoridade para diversos Acampamentos independentes, na forma de um Grande Acampamento, os esforços capitaneados sobretudo por Thomas Dunckerley culminaram, em 1791, na reunião de sete Acampamentos que deram origem ao Grande Conclave.

Mas dentro e fora da Ordem Maçônica a iniciativa encontrou oposição. Na sociedade, em linhas gerais, as crendices associadas à maledicência da Igreja sobre as práticas templárias e o processo que culminou na destruição da Ordem do Templo, somavam-se ao fenômeno antimaçônico comum ao obscurantismo daquele tempo, expresso não apenas na literatura antimaçônica que proliferava, mas nos formais Atos das Sociedades Secretas que proscreveram suas práticas. Na própria Maçonaria houve resistência, sobretudo com a fundação da Grande Loja Unida da Inglaterra em 1813, à quaisquer estruturas que propusessem ir além dos 3 graus simbólicos e do Grau do Arco Real, implementado pelos Antigos.

Assim, até pelo menos 1830, o Grande Conclave deixou de ser convocado, ainda que novas investiduras ocorressem, mesmo sem a emissão de cartas patentes pela autoridade obedencial.

Passado este tenebroso período, novas cartas deram formalidade a novos Acampamentos e, sob o Grão-Mestrado de John Christian Burckhardt, o Grande Conclave passou novamente a se reunir.

Por volta de 1850, quando o pioneiro Thomas Dunckerley assumiu o controle do rito, tem-se o importante marco da sua uniformização, levando-se em consideração todas as formas litúrgicas já sistematizadas e em uso, com ênfase em formas rituais do século XVII e que culminaram no ritual da Ordem do Templo utilizado pela Maçonaria, na forma de Ordem lateral ou colateral, em diversas partes do mundo, com algumas variações, até os dias de hoje.

Pelo mesmo procedimento teriam passado também a Ordem de Malta e os Cavaleiros de São Paulo.

Contudo, não se pode dizer que a unidade ritual e litúrgica tenha prevalecido desde este magnânimo empreendimento; isso porque os esforços integracionistas, sobretudo a partir de 1870 quando Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda tentaram afirmar um Convento Geral com um comum ritual, malograram, sendo o fim dessa estrutura datado de 1896.

Desde então, a unidade da forma ritual deu lugar à independência gozada por cada país; mas que, ao fim e ao cabo, não traz deformações àqueles conteúdos aqui já referidos e cujo núcleo central, podemos dizer, permanece acessível a antigos e novos cavaleiros.

 

   Rodrigo Medina Zagni (ESGM)